sábado, 8 de dezembro de 2012

COMEÇAR COM O MESTRE



POEMA DO ALQUIMISTA

Ao lume dos teus olhos 
pus-me a aquecer esta mistela de neve e sol nascente 
como o alquimista de Dusseldorf 
que punha ao lume a retorta de grés de longo colo 
e nela aquecia sangue de drago (2 onças), 
tártaro emético (5 dracmas), 
enxúndia de víbora (12 a 15 gotas), 
manteiga de antimónio, 
corno de cervo, 
espírito ardente de Saturno (meia onça de cada), 
e ficava esquecido na solidão da sua toca, 
o gorro de pêlo enterrado até às orelhas, 
aceso o rosto pelo forno de revérbero. 
Cá fora os homenzinhos de Bruegel, 
com os nédios traseiros voltados para o espectador, 
as bragas vermelhas a estalarem nas costuras, 
ceifavam o trigo na pradaria verde. 
O alquimista de Dusseldorf 
buscava o segredo da pedra escondida nas entranhas da terra, 
o alcaest, o dissolvente universal, 
o elixir da saúde perdida, 
para que a sua vida nunca mais tivesse termo, 
nem as pálpebras de roxo se pintassem, 
nem de branco seus lábios. 
O alquimista de Dusseldorf 
procurava os arcanos, as tinturas, a quinta-essência das coisas, 
os sete degraus da obra sagrada 
que as leves pernas galgam na agitação dos nervos. 
Coitado do alquimista de Dusseldorf! 
Ele queria tudo, o raio do velho. 
Queria acender o forno de revérbero com a brasa do seu rosto, 
transmutar a retorta de grés em sexo triunfante 
e o pêlo baço do gorro em penugem fofa e crespa. 
Ísis! Ó Ísis! 
Ó Flor do lotus! 
Ó Garça esbelta rescendendo a mirra! 
Olha bem para mim, ísis, meu vaso de ébano.
Incendeia-me com os teus olhos de carbúnculo.
Queima-me com a labareda da tua língua.
Atenta na minha modéstia, ó Ísis.
Eu não sou o alquimista de Dusseldorf.
Eu não quero tudo.
Eu quero apenas,
apenas transmutar esta chatice em flores.

António Gedeão