POEMA DO ALQUIMISTA
Ao lume dos teus olhos
pus-me a aquecer esta mistela de neve e sol nascente
como o alquimista de Dusseldorf
que punha ao lume a retorta de grés de longo colo
e nela aquecia sangue de drago (2 onças),
tártaro emético (5 dracmas),
enxúndia de víbora (12 a 15 gotas),
manteiga de antimónio,
corno de cervo,
espírito ardente de Saturno (meia onça de cada),
e ficava esquecido na solidão da sua toca,
o gorro de pêlo enterrado até às orelhas,
aceso o rosto pelo forno de revérbero.
Cá fora os homenzinhos de Bruegel,
com os nédios traseiros voltados para o espectador,
as bragas vermelhas a estalarem nas costuras,
ceifavam o trigo na pradaria verde.
O alquimista de Dusseldorf
buscava o segredo da pedra escondida nas entranhas da terra,
o alcaest, o dissolvente universal,
o elixir da saúde perdida,
para que a sua vida nunca mais tivesse termo,
nem as pálpebras de roxo se pintassem,
nem de branco seus lábios.
O alquimista de Dusseldorf
procurava os arcanos, as tinturas, a quinta-essência das coisas,
os sete degraus da obra sagrada
que as leves pernas galgam na agitação dos nervos.
Coitado do alquimista de Dusseldorf!
Ele queria tudo, o raio do velho.
Queria acender o forno de revérbero com a brasa do seu rosto,
transmutar a retorta de grés em sexo triunfante
e o pêlo baço do gorro em penugem fofa e crespa.
Ísis! Ó Ísis!
Ó Flor do lotus!
Ó Garça esbelta rescendendo a mirra!
Olha bem para mim, ísis, meu vaso de ébano.
Incendeia-me com os teus olhos de carbúnculo.
Queima-me com a labareda da tua língua.
Atenta na minha modéstia, ó Ísis.
Eu não sou o alquimista de Dusseldorf.
Eu não quero tudo.
Eu quero apenas,
apenas transmutar esta chatice em flores.
António Gedeão